quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Nebraska

- Does he have Alzheimer's?
- No, he just believes what people tell him.
- That's too bad.


De tempos em tempos aparece um filme que se mostra tão delicado em sua composição e em seu tema que é impossível não se sensibilizar e entrar totalmente na história. Nebraska é um desses filmes. A nova produção de Alexander Payne tem a cara dos filmes dele: leve, mas ao mesmo tempo profundo, melancólico, reflexivo e acima de tudo, bonito. Mas se em alguns outros filmes alguma coisa ou outra parecesse meio off, em Nebraska tudo se encaixa perfeitamente, fazendo, na minha opinião, o melhor filme de 2013.

Fotografado em um preto e branco insosso, Nebraska não trata essa fotografia como um mero recurso estilístico. O preto e branco faz parte da história, pois assistimos à jornada de um velho homem voltando à sua cidade natal e reencontrando não apenas seus velhos amigos, como as velhas paisagens e, claro, suas velhas memórias. É uma visita à small town America, onde o tempo parece não passar, e é um convite para procurarmos conhecer melhor nossos antepassados. Pois apenas conhecendo nossos antepassados podemos realmente entender nossas origens e entender assim o mundo à nossa volta.

O filme segue um velho morador de Montana, Woody Grant (Bruce Dern), que acreditando ter ganho um prêmio de um milhão de dólares, decide ir até Nebraska coletar seu dinheiro, nem que para isso tenha que ir a pé. O prêmio, no entanto, é apenas uma óbvia jogada de marketing, o que lhe é dito a todo momento por sua família. Vendo, porém, que não haveria como dissuadir seu pai, o filho David Grant (Will Forte) resolve levá-lo de carro até o distante estado, aproveitando o momento a dois para se aproximar um pouco de seu distante progenitor. Ao sofrer um pequeno acidente no caminho, eles decidem passar o fim de semana na pequena cidade rural de Hawthorne, onde Woody nasceu e cresceu e onde o resto de sua família ainda vive.


É daqueles filmes que parecem extremamente simples, mas que escondem um tanto de sutilezas em seu (magnífico) roteiro. Assim, é impossível passar pelo filme sem parar um instante que seja para pensar em o que significa ser idoso nos dias de hoje, e que tipo de vida nossos pais e avós tem. E ao nos aproximar deles e ao conhecer o contexto de suas vidas, o filme de certa forma nos ajuda a entendê-los e a superar comportamentos e atitudes que nem sempre entendemos muito bem e que nos parece estranhos, lentos e fora de contexto.

Afinal, é isso que David inconscientemente busca ao se voluntariar para levar o pai até o Nebraska. E é uma coisa engraçada: quanto mais nos aproximamos de nossos pais, avós e antepassados em geral, mais percebemos o quanto nós somos ignorantes sobre eles. Há um post em um blog que eu adoro, que fala justamente sobre isso:

"But I also used the visit (to my grandmother) as an opportunity to do something I have not done nearly enough in my life—ask her questions about our family. I don’t know you, but I can almost guarantee that you don’t ask your grandparents (or older parents) enough questions about their lives and the lives of their parents. We’re all incredibly self-absorbed, and in being so, we forget to care about the context of the lives we’re so immersed in. We can use google to learn anything we want about world history and our country’s history, but our own personal history—which we really should know quite well—can only be accessed by asking questions."

Isso é uma grande verdade, pelo menos para a maioria de nós. Eu, por exemplo, devo saber apenas os nomes dos meus bisavôs. Sei pouquíssimas coisas além disso. E mesmo meus avós, que tiveram um grande papel na minha criação, tem muita coisa que eu não faço idéia. Raios, deve ter muita coisa que eu não sei até sobre a minha mãe. E todas essas pessoas muito provavelmente tiveram vidas interessantíssimas, ricas e cheias de particularidades e muito do que elas foram ou fizeram meio que definem o contexto onde eu fui criado e, dessa forma, definem o que eu sou e o que eu faço hoje.


Assim, é lindo ver a forma como pai e filho vão passando por várias situações que, ainda que causem conflito em muitas das vezes, tem o resultado inevitável de aproximar os dois. E não apenas os dois, já que também acabamos por conviver com a mãe de David, Kate Grant (June Squibb) e seu irmão bem sucedido Ross Grant (Bob Odenkirk - sim, o Saul). E ao nos aproximar dos personagens, passamos a entendê-los em toda sua complexidade. Assim, se Woody no começo do filme nos parece apenas um velho alcoólatra, teimoso e insensível, ao longo do filme vamos entendendo melhor o contexto de sua vida e suas motivações que nem sempre são tão mesquinhas quanto as vezes parecem ser. Na verdade descobrimos estarmos diante de um homem generoso e até muitas vezes ingênuo, mas que por n motivos acaba se perdendo em sua amargura - muito disso vindo de sua relação com o álcool, mesmo essa relação sendo relativizada ao entendermos que sua cidade natal orbita em volta de bares e que "todos ali começam muito cedo".


E eu tenho até dificuldade em começar a falar sobre as atuações. Poucas vezes eu vi atores criando personagens tão reais e tangíveis. O Woody de Bruce Dern é construído com tanto cuidado e autenticidade que é difícil dizer que estamos vendo um filme e não algo real. Sua atuação é fundamental para estabelecermos a profundidade do personagem. Assim, mesmo nos momentos em que Woody é mais irritante, vemos ali um traço de desconforto, como se aquela pessoa incômoda sentisse uma ponta de remorso por se mostrar assim. Por outro lado temos o contraponto da falante Kate, que nos ajuda a imaginar perfeitamente a relação do casal. Jane Squibb também faz um trabalho fantástico aqui: sua Kate é impressionantemente real. Acredito que todos nós podemos ver a Kate em uma tia ou avó, mais distante ou mais próxima que seja. E seu senso de humor, aaah...

...é demais. Porque o filme não se contenta em apenas criar reflexões profundas sobre a vida, o universo e tudo mais. Ele é engraçado pra caramba. Ele tem um humor fino, irônico, muitas vezes sutil, que levou o cinema inteiro às gargalhadas diversas vezes. Trabalhando nisso não temos apenas a (já excelente) dinâmica entre os pais e os dois filhos, mas temos toda uma caricatura de personagens (o irmão de Woody e o resto da família), responsáveis por cenas divertidíssimas.


Alexander Payne conseguiu fazer nesse filme o que tentou em Os Descendentes e não conseguiu. Um filme sensível e reflexivo e, surpreendemente, divertido. Eu não era um grande fã dos trabalhos dele, mas ele ganhou o meu respeito (não que ele ligue pro respeito de um pseudo cinéfilo cujo blog ninguém lê, óbvio). Nebraska tem, definitivamente, a minha torcida na disputa do Oscar.

(A não ser que 12 Anos de Escravidão me surpreenda muuuito, claro.)


1. Nebraska (Nebraska) - Alexander Payne - 10,0
2. O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street) - Martin Scorsese - 10,0  
3. Frozen - Uma Aventura Congelante (Frozen) - Chris Buck, Jennifer Lee - 9,5
4. Uma Aventura Lego (The Lego Movie) - Phil Lord, Christopher Miller - 9,0
5. Trapaça (American Hustle) - David O. Russell - 9,0  
6. Ninfomaníaca (Nymphomaniac) - Lars Von Trier - 8,5  
7. Ender's Game - O Jogo do Exterminador (Ender's Game) - Gavin Hood - 6,5
8. Confissões de Adolescente - Chris D'Amato, Daniel Filho - 6,0  
9. Jack Ryan: Operação Sombra (Jack Ryan: Shadow Recruit) - Kenneth Branagh - 6,0
10. Caçadores de Obras-Primas (Monuments Men) - George Clooney - 4,0
11. O Herdeiro do Diabo (Devil's Due) - Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett - 2,5  
12. Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal (Paranormal Activity: The Marked Ones) - Christopher Landon - 2,0













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