quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Palavras do Diabo

"Por uma espécie de decreto inexplicável, a minha missão é 'negar', mas, na realidade, sou fundalmentamente bom e inapto para a negação. 'Não, é necessário que negues'. Sem negação, não haveria crítica - e que seria das revistas, sem a seção de crítica? Só haveria um perpétuo hosana. Mas para a vida isso não basta; é preciso que o hosana passe pelo crisol da dúvida... Aliás, não me intrometo nisso; não fui eu que criou tudo e não sou o responsável. Escolheram o bode expiatório, fizeram-me escrever na seção de crítica e começou a vida. Mas eu, que compreendo a graça da comédia, não aspiro a nada: exijo apenas a minha própria destruição. 'Não', respondem-me, 'é preciso que vivas, pois sem ti nada existiria. Se tudo fosse razoável sobre a terra, não sucederia nada. Sem ti, não haveria acontecimentos, mas os acontecimentos são necessários'. Cumpro, pois, minha missão muito a contragosto, para que haja acontecimentos, mas realizo o irracional, para obedecer às ordens recebidas. Os homens tomam essa comédia a sério, apesar de toda a sua inteligência. E nisso consiste a sua tragédia. Sofrem, evidentemente, mas... vivem uma vida real e não imaginária, pois o sofrimento é a vida. Sem sofrimento, que prazer haveria na existência? Tudo pareceria um Te Deum interminável, sagrado, sim, porém muito aborrecido. E eu? Eu sofro e, no entanto, não vivo. Sou o X de uma equação. Sou um espectro que perdeu o princípio e o fim das coisas e até esqueceu o seu nome. Estás rindo... não, tu não ris; novamente te zangas. Estás sempre zangado; exiges sempre inteligência. No entanto, repito que daria toda essa vida sideral, todos os títulos e honrarias, para me encarnar na alma da obesa mulher de um comerciante e acender velas na igreja."

- o Diabo, à Ivã Karamazov