terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Hobbit: O Fracasso de Smaug

É sempre um espanto quando você sai do cinema achando o filme uma merda e se depara com quase todo mundo dizendo que o filme foi maravilhoso.

Isso acabou de acontecer comigo após ver o segundo capítulo da trilogia do Hobbit, A Desolação de Smaug. Eu passei o filme inteiro rindo das bobagens que foram feitas pelos produtores e achando (quase) tudo muito mal feito, e saí do cinema pronto para ler opiniões que corroborassem essa minha percepção. Qual não foi minha surpresa em ver que a grande maioria das pessoas que viram o filme, adoraram. E isso engloba até os próprios críticos de cinema. Para se ter uma idéia, até o momento apenas 2 críticas dentre 44 no Metacritic foram negativas, e o filme está com a 112ª melhor nota no IMDb.

O que também me impressiona é como as pessoas são intolerantes com quem não gostou do filme. Para elas, se você não gostou, 1) você não é fã de tolkien e de fantasia e por isso voce não tem a capacidade de apreciar um filme maravilhoso como esse; ou 2) você é um fã de Tolkien xiita e tudo que não seja o livro pra você vai sempre ser uma merda.

Vi nesse meu espanto uma oportunidade de dar uma sobrevida a esse blog. Exponho, então, minha opinião sobre a mais nova obra do Peter Jackson.

Primeiramente, um breve histórico: eu gostei do primeiro filme. Tenho vários problemas com ele, tem muita coisa que poderia ser melhor, mas de maneira geral eu tenho uma opinião positiva. Sim, o filme é arrastado em muitos momentos, alguns personagens são mal explorados e algumas situações simplesmente não fazem sentido. Ainda assim, o filme consegue se sustentar em sua história principal.

Também não vou entrar no mérito de "ah mas é um absurdo eles dividirem um livros de 300 páginas em 3 filmes, não tem história pra isso". Todo mundo sabe que o grande objetivo do filme do Hobbit é ganhar dinheiro, e não há nenhum problema nisso. Isso também acontece com alguma das mudanças: a inclusão da elfa Tauriel, por exemplo, também não deixa de ser uma jogada comercial, para termos um personagem feminino e, teoricamente, aumentar o apelo com o público. Novamente, sem problemas. Tudo isso faz parte da dinâmica comercial que rege a indústria cinematográfica (e todas as indústrias, na verdade). E se isso te incomoda, basta pensar que sem essas coisas talvez o filme não fizesse o sucesso que faz (sucesso comercial, veja bem), e sem a expectativa desse sucesso o filme não teria o orçamento que tem, e sem esse orçamento muito provavelmente o filme nem sairia do papel (ou sairia com atores piores, com efeitos toscos, enfim).

Ao filme.

O grande problema do filme é o andamento. Ele não tem uma estrutura começo - meio - fim (bom, fim ele não tem mesmo, mas estou ignorando isso por enquanto). Ele já começa com a companhia sendo perseguida por orcs e se refugiando na casa do Beorn. E a partir daí segue-se uma quase infindável sequência de acontecimentos repetitivos ao extremo (ainda mais nos lembrando do primeiro filme): eles fogem, são capturados por aranhas, escapam, são capturados por elfos, escapam, são contrabandeados pelo Bard, escapam. A história não é desenvolvida - ela apenas é levada pra frente. Os personagens pouco são explorados - eles apenas entram e saem de situações de perigo.

E o que piora esse cenário já complicado são as subplots, que, enquanto no primeiro filme foram poucas e relativamente bem usadas, aqui elas simplesmente se proliferam servindo apenas para poluir o filme. Fazendo uma metáfora com uma metáfora (sim) feita pelo próprio Bilbo no primeiro filme de O Senhor dos Anéis,  "I feel... thin. Sort of stretched, like... butter scraped over too much bread". Entenderam? =|



A história funciona tão bem no livro porque Tolkien não se desvia do foco. Ela segue seu protagonista de maneira ininterrupta e alucinante, tornando a leitura elétrica e viciante para o leitor. Nesse filme, isso não acontece. A todo o momento somos desviados para acompanhar alguma outra trama, aí de repente volta pra história principal a toda velocidade, aí corta de novo pra mostrar um romance que ninguém liga, aí volta... a história não flui.

Uma breve análise das principais subplots:

1. Gandalf x Sauron: Ian Mckellen é de longe o grande ator do filme. A história que ele conta pouco influencia na história do Hobbit - na verdade o arco dele serve muito mais para criar um vínculo com a história contada em O Senhor dos Anéis. E, vá lá, é até legal, mas é uma grande perda pro filme manter ele afastado da trama principal. Foi legal ver ele usando mais magia pela primeira vez, e eu gostei de ter aparecido a silhueta do Sauron como se fosse o olho. Foi um toque legal. Pena que tudo foi estragado com a decisão do Peter Jackson de tentar ser artsy ao jogar a câmera dentro do capacete do Sauron over and over numa cena pseudo psicodélica que me levou aos risos dentro do cinema. Pena que não era essa a intenção.

E tem o Radagast né. É.


2. Triângulo amoroso Legolas - Tauriel - Kili: eu não vou nem deixar meu lado fã dizer que um romance entre anões e elfos seria tão impossível quanto elfos indo ajudar os homens em Helm's Deep (oh well...). E como eu já disse em algum lugar aí em cima, eu entendo terem adicionado uma personagem femina e, por que não, um romance pra ela. Acontece que foi tudo tão genérico que eu juro não ter entendido como muitas pessoas acima de 16 anos gostaram. Não há desenvolvimento nenhum. Eles se olham e é tipo "fodeu, sai de baixo". Aí eles tem um diálogo pseudo romântico que poderia ter ficado bonito, não tivesse o Peter Jackson tão pouco tato pra filmar a cena. Parecia que a qualquer momento a Tauriel ia começar a cantar, o Kili iria responder e de repente estaríamos vendo Moulin Rouge versão Terra Média. E que papel tem o Legolas nisso tudo? Ainda não entendi bem. O Thranduil fala lá como ele gosta da Tauriel, ele realmente parece gostar mas... talvez nem tanto. Ele age como se gostasse mas 'ah ok, vc prefere o anão né, beleza, no worries, vou ficar aqui matando orcs de buenas'. Não há nenhuma espécie de conflito.

E, bem, qual a importância desse romance pra história mesmo?

3. Kili morrendo com uma flecha envenenada: pra isso ter algum resquício de significância para a história, seria necessário que o romance tivesse sido melhor explorado - o que não aconteceu. Mas ainda assim teria sido uma trama que vai do nada a lugar nenhum. O único papel dela é dar algum tipo de importância à Tauriel. Então temos: a existência da Tauriel cria a trama do anão envenenado que por sua vez justifica a existência da Tauriel, e... sei lá, não tinha uma história de uns anões tentando invadir uma montanha dominada por um dragão?

 Ah é, e ela usa a Athelas-Erva-do-Rei whatever. Porque criar vínculos com o Senhor dos Anéis nunca é demais.

4. O disputa política de Esgaroth: ok, essa me deixou com vergonha. Could you be more generic? Estamos na França em 1789 ou o que? Eu já tava esperando aparecer o Robespierre pra cortar a cabeça do rei. Foi uma das histórias mais vazias que eu já vi. Eu não esperaria nenhum tipo de complexidade política do Peter Jackson, mas essa disputa entre monarquia x povo foi de lascar.

De volta à história.

Um ponto muito elogiado por todos foram as cenas de ação. Novamente, foi uma das coisas que mais me incomodaram. Se em O Senhor dos Anéis a habilidade atlética dos elfos já entrava no terreno do absurdo, tudo foi para os caralhos nesse filme, chegando ao ápice de vermos Legolas se equilibrando com um pé na cabeça de um anão e o outro na cabeça de outro anão, anões estes flutuando em barris que descem um rio a toda velocidade. Não bastasse esse equilíbrio, ele ainda atira flechas para todos os lados com a precisão que nem tem mais como nos surpreender de tanto que já foi explorada. E o que dizer da cena em que Bombur, o anão-bufão, quica com seu barril pelas margens do rio matando orcs a torto e a direito até parar, botar os braços pra fora e, de maneira cômica, iniciar a matança rodopiando em um CÍRCULO DA MORTE.

Poderiam ser cenas legais? Poderiam, se estivessemos falando de um filme diferente. Mas Peter Jackson optou por transformar o Hobbit, um conto infantil, em um épico sombrio de uma disputa entre bem x mal. De fato, muita gente ressaltou como esse segundo filme é ainda mais escuro e sombrio que o primeiro. Embora tenha seus alívios cômicos, o filme realmente é pra ser levado a sério, e eu nem quero entrar no mérito se isso foi ou não uma decisão acertada por parte dos produtores (dica: não foi), mas o meu ponto é: não faz sentido você colocar cenas de ação espalhafatosas e patetas e engraçadinhas em um filme que se leva tanto a sério. Simplesmente não funciona, elas parecem sempre out of place.

"Ah, mas no primeiro também é assim". É, em especial na cena dentro da montanha. Acontece que toda aquela sequência foi uma das únicas em que o Peter Jackson deixou esse lado sério de lado para fazer algo mais cartunesco. Os orcs subterrâneos retratados nessa sequência são todos meio engraçados, e o Grão Orc é uma piada. E digo isso como um elogio, foi o único momento dos dois filmes em que eu senti um pouco do espírito leve do livro. E nesse contexto sim, cenas de ação engraçadinhas funcionam.

Passando para outro tópico problemático: a edição. Aaah, a edição. A edição é tão mal feita nesse filme que no meio da sequência final do confronto dos anôes com o dragão, temos cortes para um dos anões em Esgaroth roubando um pouco de Athelas de um porco. E o que dizer do trecho onde os anões e Bilbo estão procurando a entrada para a montanha, até que Bilbo avista uma grande estátua com uma escada gigantesca. É, então, saudado por Thorin "você tem olhos afiados, meu amigo". Sim. Não são vocês anões que são CEGOS e não viram essa estátua MONSTRUOSAMENTE GRANDE com uma escada enorme que obviamente estará levando a algum tipo de entrada. O mínimo que os editores deviam ter feito é mostrar como o Hobbit estava longe dos anões, em algum lugar escondido com uma visão que ele só teria. Mas não, eles sempre parecem estar no mesmo lugar.

E temos também as cenas simplesmente ridículas, como o Balin (numa tentativa óbvia de fazer outra referência óbvia à trilogia de dez anos atrás, enche o peito e diz com aquela voz de "sou um velho sábio que nem o Gandalf": "A coragem dos Hobbits nunca deixa de me surpreender". O que? Quantos hobbits você conhece? Há quantos anos você está convivendo com eles? O que você sabe sobre eles?

E o dragão. Não vou negar: ele é do caralho, e a cena dele conversando com o Bilbo é, de longe, a melhor do filme (embora se eu tentar ser extremamente chato eu poderia dizer que ela se alongou um pouco demais), da mesma forma que a cena do Bilbo com o Gollum é a melhor cena do primeiro filme (coincidence?). Mas mesmo com o dragão eu tenho problemas. Me decepciona muito que ele caia dentro do mesmo clichê de tantos vilões ao ficar enrolado para matar os protagonistas enquanto tagarela. Ainda assim soa forçado demais ele não ter conseguido matar os anões durante tanto tempo (eles escapam do dragão diversas vezes...). Fazendo uma inevitável comparação com o livro: neste os anões nem ousam entrar em confronto aberto com o dragão. Eles sabem o quão estúpido isso seria. O único que entra em seu covil é o Bilbo, ainda assim usando apenas de sua discrição (e de seu anel) para vasculhar o lugar. E até mesmo a lógica interna do filme é ridicularizada: Smaug consegue sentir o cheiro dos anões no Bilbo, mas poucas cenas depois é incapaz de farejas os anões escondidos EMBAIXO dele.


E já que estamos falando dessa sequência, é das coisas mais absurdas de toda a série o modo como os anões conseguem reviver todos os mecanismos criados por seus antepassados em poucos segundos e formar um plano que envolve a criação de uma estátua de ouro gigante e seu posterior derretimento na vã esperança de

queimar o dragão. Sim, queimar o dragão. Um dragão que cospe fogo a qualquer momento. Foi para fechar o filme com a estupidez em seu nível máximo.

Aliás, fechar o filme é uma palavra muito forte, pois o filme não tem um fim propriamente dito. Ele simplesmente acaba. Não tem nenhum tipo de desfecho. Como não teve um começo também, acho que faz sentido não ter um fim. "Ah, mas a Sociedade do Anel também não tem um final e você adora". Sim, mas em A Sociedade do Anel  há uma lógica em seu fim, ele termina justamente com o rompimento da Sociedade. Isso não acontece de maneira nenhuma nesse segundo capítulo do Hobbit (talvez pela história original não ter sido pensada em 3 capítulos, duh). Na prática, é realmente como se a trilogia fosse um filme só e esse segundo filme fosse apenas o trecho intermediário. Talvez por isso o filme tenha sido tão prejudicado em seu andamento e falhado completamente em se sustentar como um filme sozinho.

Outros pequenos detalhes que me incomodaram:

1. Beorn. Pode ser um pouco de purismo, mas eu não gostei muito de como ele foi apresentado. No livro é bem mais legal e divertido, com os anões entrando em grupinhos de 3 hahaha mas vá lá, esse é um problema pessoal meu.

2. A facilidade com a qual os orcs invadem o reino dos elfos em Mirkwood. Eles chegam DE SURPRESA praticamente dentro da parada. Totalmente surreal. Como o Thranduil espera resguardar seu reino do apocalipse vindouro se apenas um pequeno bando de orcs consegue invadir seus domínios com tanta tranquilidade?

3. O suspense que é feito quando Bilbo perde temporariamente o anel na floresta. Eu entendo que o objetivo maior tenha sido mostrar como o hobbit já começa a demonstrar sinais de obsessão com o anel, mas a cena é tão tola e o suspense é tão inútil para quem já viu os outros filmes (quase todo mundo) que no fundo ela serviu mais pra gastar tempo do que pra qualquer outra coisa.

4. A trilha sonora extremamente genérica e mal utilizada feita pelo próprio Howard Shore.

Para não dizer que eu só falo mal, tiveram sim alguns pontos que eu gostei:

1. A introdução do filme em Bri, com o encontro entre Gandalf e Thorin. Ficou muito bacana, e explica um pouco de como surgiu a história.

2. O fato de o Bilbo só ouvir as vozes das aranhas ao botar o anel. No livro as aranhas realmente falam (de novo, é um livro para crianças). No filme, isso talvez ficasse tosco demais. A solução de deixar elas falando apenas quando ele bota o anel foi engenhosa e fez algum sentido. E as aranhas em si ficaram bem feitas, assim como as cenas de ação com elas (ainda que tenham havido alguns exageros como a parte dos anões arrancando as patas de uma delas).

3. Thranduil. Eu realmente gostei dele, em sua arrogância e imponência. E as discussões sobre ajudar na luta contra os orcs ou se fechar completamente para garantir a segurança de seu reino são interessantes e me fizeram lembrar de Gondolin.

4. Tauriel. Ainda que a elfa tenha ficado perdida em subplots sem a menor importância, eu gostei da personagem. Pena ela não ter sido melhor utilizada.


Enfim, são pouquíssimos pontos positivos em um mar de mediocridade. O Hobbit 2 falha em praticamente tudo que tenta, e eu ainda não achei uma resenha que me convença do contrário. Fica a expectativa para o terceiro filme. Acho que o Peter Jackson vai se sair melhor em um filme onde não vai haver muito pra onde ele enrolar, pois a idéia é que todas as histórias se juntem de alguma forma. E todos os desfechos ficaram para esse terceiro episódio, então eu realmente tenho a esperança de que possa sair algo melhor.

Até porque fazer algo pior vai ser bem complicado.