quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"E Se Eu Não Tivesse que Morrer?"

'Talvez haja duas opiniões sobre a vida na prisão, - disse Myshkin. - Um homem que passou doze anos na cadeia me disse uma coisa. Ele era um dos inválidos sob cuidados do meu professor. Ele sofria de convulsões; às vezes ele ficava inquieto, chorava, até tentou se matar uma vez. Sua vida na prisão foi muito triste, eu te garanto, mas nem um pouco trivial. Mesmo assim, ele tinha como amigos apenas uma aranha e uma árvore que crescia embaixo de sua janela... Mas é melhor eu lhe contar como eu conheci um outro homem ano passado. Foi uma circunstância muito estranha - estranha porque essas coisas raramente acontecem. Esse homem certa vez foi levado junto com outros para o cadafalso e uma sentença de morte foi anunciada pra ele. Ele deveria ser fuzilado por ofensa política. Vinte minutos depois foi anunciado um adiamento, e eles acabaram recebendo outra punição. Mas ele passou o intervalo entre as duas sentenças, vinte ou pelo menos quinze minutos, com a inteira convicção de que iria morrer em poucos minutos. Eu estava sempre ansioso por ouvir quando ele lembrava de suas sensações naquele momento, e costumava o questionar sobre isso. Ele lembrava de tudo com uma extraordinária nitidez e costumava dizer que ele jamais esqueceria aqueles minutos. A vinte passos do cadafalso, ao redor do qual soldados e outras pessoas se juntavam, haviam três postes fincados no chão, e haviam vários criminosos. Os três primeiros foram conduzidos, amarrados aos postes, a roupa da morte (um roupão branco) foi colocada e capuzes brancos foram botados sobre seus olhos para que não vissem as armas; então uma comitiva de vários soldados foi postada de frente para cada poste. Meu amigo era o oitavo da fila, então ele deveria estar no terceiro grupo. O padre foi a um de cada vez com uma cruz. Ele possuía apenas mais cinco minutos de vida. Ele me disse que aqueles cinco minutos pareceram para ele um tempo infinito, uma grande riqueza; ele sentia que ele tinha tantas vidas restando naqueles cinco minutos que ainda não havia necessidade de pensar no último momento, tanto que ele dividiu o seu tempo. Ele separou tempo para se despedir de seus companheiros, dois minutos pra isso; então ele separou mais dois minutos para pensar pela última vez; e então um minuto para olhar para si mesmo pela última vez. Ele se lembrava muito bem de ter dividido o tempo assim. Ele estava morrendo aos vinte e sente anos, forte e saudável. Enquanto ele se despedia de seus companheiros, ele lembrou de ter perguntado a um deles uma pergunta um tanto irrelevante, e de ter estado particularmente interessado na resposta. Então quando ele já havia dito adeus, chegaram os dois minutos em que ele havia separado para pensar sozinho. Ele sabia de antemão sobre o que ele pensaria. Ele desejava entender o mais rápido e claramente possível como poderia ser que agora ele existia e estava vivendo e em três minutos ele seria algo - alguém ou algo. Mas o que? Aonde? Ele pretendia decidir tudo isso naqueles dois minutos! Não longe dali havia uma igreja e seu telhado dourado cintilava na claridade do sol. Ele se lembrava de ficar parado persistentemente olhando para o telhado e para a luz refletida; ele não podia se desligar daquela luz. Parecia para ele que aqueles raios eram sua nova natureza e que em três minutos ele iria, de alguma forma, se fundir à eles... A incerteza e o sentimento de aversão pelo o que esperava por ele era horrível. Mas ele disse que nada era mais terrível naquele momento que o seu pensamento contínuo, "E se eu não tivesse que morrer? E se eu pudesse voltar à vida - que eternidade! E seria toda minha! Eu tornaria cada minuto em uma era; eu não perderia nada, eu contaria cada minuto que se passasse, eu não perderia um!" Ele disse que tal idéia se dotou de tamanha fúria que chegou um momento em que ele torcia para ser fuzilado logo.'



(Príncipe Myshkin, em
O Idiota - Fyodor Dostoevsky)

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