Você tem absolutamente todo o direito de não gostar de Pain of Salvation. Não é uma banda conhecida por ser exatamente acessível, radio-friendly, e sua progressividade ainda afasta muita gente. Mas acuse-os do que quiser, não se pode dizer que eles sejam previsíveis. Cada álbum consegue ser completamente diferente um do outro e, enquanto o ouvinte mais atento consegue perceber tênues fios de musicalidade própria que permanecem como uma constante nos trabalhos da banda, a impressão geral que se tem é que se trata de criações totalmente distintas.
Sim, eu digo isso como um elogio. Vindo de decepções crescentes de bandas como Gamma Ray, que a cada cd parece mais e mais sem idéias, repetindo riffs, solos e tudo mais o que conseguir, eu não tenho como não admirar uma banda que não tem medo de tentar fazer algo diferente a cada ano que passa, e o Pain of Salvation surge como o maior exemplo disso.
Não que isso signifique sempre um acerto. O último cd, por exemplo, Scarsick, não foi do meu agrado. Chega num ponto que a progressividade incomoda e tudo soa muito mais como um experimentalismo louco do que como música em si. Mas ao se explorar territórios tão diferentes e diversos, é mais do que natural que a banda cometa erros e também é difícil que uma pessoa consiga ser atraída por todos os álbuns, sendo eles tão distintos.
Chegamos enfim ao objeto dessa resenha, o novo álbum do Pain of Salvation, Road Salt One. Toda essa breve nota introdutória, porém, não foi totalmente à toa. Pois o ouvinte desavisado pode tomar um susto quando ouvir as primeiras notas de "No Way" (ou de "What She Means to Me", se você está ouvindo a versão especial). Nessa nova empreitada, o mastermind da banda Daniel Gildenlow buscou resgatar a sonoridade dos saudosos anos 70, misturando-a numa moderna salada musical com a pegada progressiva característica da banda e os conceitos líricos sombrios e sensuais que tanto fascinam os admiradores da banda.
O resultado é um álbum incrível, que poderá assustar alguns fãs mais radicais, mas que, ouvido com um mínimo de boa vontade, não tem dificuldades em cravar seu lugar entre os melhores cds do ano e entrar como mais uma jóia importante na (já maravilhosa) discografia do Pain of Salvation. Daniel Gildenlow conseguiu renovar totalmente um estilo de fazer música já totalmente saturado, dando uma profundidade musical e lírica poucas vezes vista.
O álbum logo com uma pedrada, "No Way" (se você pretende comprar, procure pela versão extendida, que começa com uma ótima faixa, "What She Means To Me", que é quase como uma introdução à "No Way"), que já mostra bem o que será o cd: uma faixa bem direta, com a presença marcante do teclado do Fredrik Hermansson e um vocal inspirado do Daniel, interpretando com perfeição a letra, que consegue ser o ponto alto da música. Muita gente virou a cara para as letras desse cd (em especial dessa música), por acharem-as simples, ou infantis. Na minha opinião a aparente simplicidade é exatamente aonde se encontra o maior êxito dela: a sinceridade do eu-lírico, o modo como ele se expressa de maneira totalmente visceral e verdadeira, o modo como de repente toda sua arrogância passa por uma crise de segurança e ele começa a questionar tudo o que ele disse antes. Isso é puro Pain of Salvation! Assim como o final da música, aonde a simplicidade da música abre espaço para um trecho mais progressivo, que certamente fará os fãs sorrirem.
Daí em diante o álbum desce por uma ladeira emocional, passando pela totalmente bluesy "She Likes to Hide", que poderia ter sido tirada de um álbum do Jimi Hendrix, pela magnífica "Sisters", um dos destaques do álbum, com seu clima totalmente sombrio e de certa forma desesperador, seus violinos e coros muito bem utilizados, dando o enfoque certo para o drama do personagem e chegando na "Of Dust", que traz um clima gospel-like e parece finalizar a primeira parte do álbum.
A partir daí o álbum volta a expressar um clima mais positivo na quase country "Tell Me You Don't Know", que tem um solo gostosíssimo (um dos poucos do cd) e na esquisitíssima "Sleeping Under The Stars". Aqui, ao contrário de muitas músicas esquisitíssimas da carreira do Pain of Salvation, a coisa funciona bem. Alguns momentos meio doentios, como em entre 1:58 e 2:30, mas que funcionam bem com o conceito e com as letras. "Darkness of Mine" traz de volta o clima extremamente sombrio, contrastando com um refrão meio modernoso que destoa um pouco do resto da música. Nada que estrague, mas a música soaria melhor sem ele.
Em seguida temos as duas músicas mais straight-foward do álbum: "Linoleum", que já constava no EP e "Curiosity". Linoleum tem uma levada mais moderna. Em alguns momentos me lembra, sei lá, Audioslave. Não chega ao ponto de ser ruim, mas claramente houve pouca inspiração nessa. Soa como uma filler, o que é curioso se tratando da música escolhida pra figurar no EP. Já Curiosity tem uma levada até meio pop rock em alguns momentos, mas é uma grande música, se equilibrando em momentos mais tranquilos e alguns mais agressivos, com um refrão empolgante. Destaque também para as letras e sua aparente simplicidade, mas que parecem terem sido tiradas de um livro do Milan Kundera.
O álbum ruma ao seu final, de novo soturno, com a melancólica "Where It Hurts" e com a mais melancólica ainda "Road Salt", que parece resumir o álbum em sua música cadenciada e sua letra totalmente deprimente. Por último temos Innocence, que fecha o álbum no melhor Pain of Salvation fashion, com várias mudanças de clima ao longo de seus sete minutos.
Road Salt One é um excelente álbum, mostrando uma banda totalmente segura de sua capacidade e do caminho que deseja trilhar, sem se prender a rótulos ou a o que alguns fãs esperam.
Banda: Pain of Salvation
Álbum: Road Salt One
Ano: 2010
Nota: 90
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